Em regime aberto há pouco mais de quatro meses, Suzane von Richthofen aparece na lista de candidatos de um concurso para o cargo de telefonista da Câmara Municipal de Avaré (SP). A condenada não está infringindo regras ao se candidatar em um processo seletivo.
Suzane vive em Angatuba, no interior de São Paulo, desde janeiro de 2023. Ela voltou a cursar biomedicina em uma universidade particular de Itapetininga (SP), após deixar o presídio de Tremembé (SP), onde cumpria pena.
Conforme apurado pela reportagem, Richthofen se candidatou para cadastro reserva de telefonista, o cargo mais concorrido do concurso da Câmara de Avaré – com 837 inscrições.
A vaga pretendida por ela é de nível fundamental, com carga horária de 30h semanais e salário inicial de R$ 5.626,33, além de benefícios como vale alimentação, planos de saúde e odontológico.
A prova para o concurso, que também tem gerado polêmica na cidade (entenda abaixo), está prevista para ser realizada em dois domingos, nos dias 4 e 11 de junho.
Conforme divulgado pela empresa responsável pelo concurso, Suzane von Richthofen deve realizar a prova em uma faculdade privada de Avaré, a aproximadamente 115 quilômetros de Angatuba, onde mora.
Regime aberto
A inscrição de Suzane no concurso não fere regras estabelecidas pelo regime aberto em que cumpre pena. Questionado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) não informou, até a conclusão desta reportagem, se a detenta comunicou a viagem até Avaré para realizar a prova.
No regime aberto, o condenado cumpre pena fora da prisão e pode trabalhar durante o dia. À noite, deve se recolher em casa de albergado, ou seja, deve retornar para uma casa de hospedagem prisional coletiva, designada pela Justiça e que abriga presos que estão no mesmo regime.
Para não perder o benefício, o condenado precisa seguir algumas regras, como:
- Permanecer no endereço que for designado durante o repouso e nos dias de folga;
- Cumprir os horários combinados para ir e voltar do trabalho;
- Não se ausentar da cidade onde reside sem autorização judicial;
- Quando determinado, comparecer em juízo para informar e justificar suas atividades.
Mesmo seguindo essas condições básicas, o juiz pode estabelecer outras condições especiais, de acordo com cada caso.
Polêmica no concurso
O concurso, aberto em 29 de março, tem sido alvo de polêmicas em Avaré. Vereadores denunciaram servidores da Câmara Municipal, que participaram de processos de licitação, gestão e fiscalização do processo seletivo, e se inscreveram para a prova.
Uma sessão extraordinária foi realizada na Câmara do município, durante a tarde da última quarta-feira (31), para suspender o concurso. A pauta foi retirada de votação devido à ausência de parecer jurídico, sustentou o presidente da Câmara.
Vereadores informaram que também protocolaram uma denúncia ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). A promotoria de Justiça não informou se recebeu o pedido até a conclusão desta matéria.
Faculdade de biomedicina
Em 2021, a Justiça concedeu a Suzane o direito de iniciar o curso em uma universidade de Taubaté (SP). Contanto, após ser beneficiada com o cumprimento da pena em liberdade, ela trancou o curso na cidade e se mudou para Angatuba (SP).
No início de 2023, a detenta transferiu o curso para a UNIFSP, em Itapetininga, a 52 quilômetros da cidade onde mora atualmente.
Imagens feitas por estudantes da instituição em 15 de março de 2023 mostram Suzane em uma fila para a cantina, acompanhada de outras duas alunas.
Conforme apurado pela reportagem, esta é a primeira vez que Suzane acompanha as aulas de forma presencial. Desde o começo de fevereiro, os advogados de defesa dela trabalhavam para conseguir a autorização da Justiça.
Uma colega de sala, que preferiu não se identificar, contou que a notícia sobre a matrícula de Suzane foi comunicada há algumas semanas pela direção da faculdade.
“Foram de sala em sala e comunicaram que a Suzane frequentaria as aulas. Pediram para que os alunos compreendessem e respeitassem o direito dela como cidadã. E foi assim! Na hora, fiquei surpresa e, apesar de saber que é um direito dela, me sinto meio desconfortável”, afirmou a estudante.
Apesar das imagens, a Faculdade Sudoeste Paulista (UniFSP) não se manifestou sobre a matrícula de Suzane, agora aluna da instituição.
Em nota, a SAP esclareceu que, após a concessão do regime aberto, a vigilância da detenta é de responsabilidade do Poder Judiciário.
O TJ-SP informou que o caso de Richthofen corre em segredo de Justiça, por isso não é possível fornecer informações. A defesa dela também não se posicionou.
Vida acadêmica
Em 2021, Suzane havia conseguido a autorização da Justiça para estudar farmácia, mas mudou de curso e começou a frequentar as aulas de biomedicina em uma universidade em Taubaté. Após ser beneficiada com o cumprimento da pena em liberdade, ela trancou o curso e se mudou para Angatuba.
Antes disso, em 2020, a detenta conseguiu uma vaga pelo Sisu no curso de gestão de turismo no Instituto Federal de Campos do Jordão (SP). No entanto, ela não chegou a ser autorizada pela Justiça a deixar o presídio.
Em 2017, Suzane foi aprovada para o curso de administração em uma instituição católica em Taubaté. Para custear a mensalidade, ela pleiteou o financiamento pelo Fies e foi contemplada. Apesar disso, não concluiu a matrícula.
Fonte: G1