20 anos

a primeira da cidade

Bauru encaminhou 1.327 moradores de rua para outras cidades

Um levantamento realizado pelo Centro Espírita Amor e Caridade (Ceac), mantenedor do Albergue Noturno de Bauru, revela que a prefeitura financiou 1.327 passagens para encaminhar pessoas em situação de rua ou migrantes a outras cidades, de janeiro a abril de 2024 — uma média de quase 11 por dia. Em 2023, 3.515 receberam os tíquetes para viajar, ou seja, 9,6 a cada 24 horas.

Acolhimento realizado no Albergue Noturno em Bauru

Nos dois anos, foram escolhidos 63 destinos, sendo a maioria para Botucatu (600), Jaú (476) e Ourinhos (440). Neste ano, entre as cidades mais solicitadas estão São Manuel (380), Jaú (208) e Ourinhos (140). O Ceac, no entanto, alerta que houve alterações na rota e, por isso, Botucatu agora é contabilizado como São Manuel. A verba para custear as passagens, de acordo com o Ceac, é proveniente dos governos federal, estadual e municipal. Por meio de convênio, os recursos são repassados e monitorados pela Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes).

O encaminhamento de pessoas em situação de vulnerabilidade ganhou repercussão nacional depois que o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), no início de maio, acusou Bauru e outros municípios de despacharem essas pessoas, ao invés de prestar o devido atendimento. O levantamento do Ceac revela, no entanto, que apenas sete moradores em situação de rua foram enviados à cidade em 2023 e nenhum em 2024 (até abril).

Bauru, inclusive, por meio da Sebes, refuta a informação divulgada por Saadi. A pasta também destaca que só paga passagens quando o beneficiado comprova vínculos com o município de destino, como também pode ser o caso das pessoas apontadas como ‘trecheiros’, ou seja, que vivem em constante fluxo migratório, sobrevivendo de trabalhos temporários e eventuais ajudas filantrópicas.

PONDERAÇÕES

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Bauru destacou que as acusações são investigadas pelo Ministério Público (MP) e podem resultar em consequências legais para o gestor. “Caso se constate infringência aos direitos humanos, certamente haverá implicações e responsabilizações, como, por exemplo, por crimes de ameaça e constrangimento ilegal. Quanto à acusação do prefeito de Campinas, se procedente, serão tomadas as providências legais, e, se não procedente, o mesmo deverá responder por eventual falsa acusação, que também será apurada pelo órgão competente”, afirma a entidade, em nota enviada ao JC.

A subseção local da OAB frisou desconhecer a existência de uma política em Bauru de envio de moradores em situação de vulnerabilidade para outros municípios. “As políticas de atendimento e acolhimento à população em situação de rua, desde que respeitem a vontade dos indivíduos, sem qualquer forma de coação, e não violem os direitos humanos, são válidas e necessárias”, acrescenta.

Glauber Woida, assistente social especialista em gestão de políticas e professor da Instituição Toledo de Ensino (ITE), destaca que a questão das pessoas em situação de rua é estrutural e envolve diversos fatores.

CONTEXTO

“Estamos falando de pessoas que perderam os vínculos familiares e comunitários, com problemas com alcoolismo e drogas, desemprego e perda de moradia. Isso torna o problema extremamente complexo”, afirma. Em Bauru, em junho de 2024, havia 453 pessoas em situação de rua registradas pelo Observatório do Cadastro Único (CadÚnico), mas Woida alerta que o número pode ser subestimado devido à falta de cadastramento adequado. A Prefeitura de Bauru, porém, informou que atualmente são 35 indivíduos cadastrados no CadÚnico autodeclarados como pessoas em situação de rua.

Bauru conta com três principais serviços voltados a essa população: o Centro Pop, o Serviço de Abordagem Social e o Serviço de Acolhimento. No entanto, o problema, segundo Woida, reside na gestão desses serviços. Ele critica a falta de eficiência na administração e na implementação das políticas públicas, destacando a necessidade de um cadastro único que permita o acompanhamento efetivo dos indivíduos em situação de rua.

“O grande problema que temos hoje aqui é a gestão desses serviços. Não estamos falando apenas de oferecer uma passagem para outra cidade, mas de garantir um serviço contínuo e de qualidade que permita que essas pessoas possam sair da situação de rua”, explica.

A prática de oferecer passagens para que se desloquem a outros municípios é uma medida paliativa que, segundo Woida, não resolve o problema de forma eficaz. Ele afirma que, embora o direito de ir e vir deva ser garantido, é essencial que haja um plano de acompanhamento e reintegração social para esses indivíduos. “Não é apenas sobre dar uma passagem, mas sobre garantir que a pessoa tenha um suporte ao chegar ao seu destino”, reforça.

A Prefeitura de Bauru ressaltou, em nota, que não realiza atendimento por meio de qualquer medida compulsória. O Executivo acrescenta que a triagem e acompanhamento dos usuários elegíveis para receberem passagens são feitos pelo Ceac. “No primeiro semestre de 2024, a prefeitura, por meio do Centro Pop, encaminhou 23 usuários ao Ceac com avaliação técnica favorável à concessão de passagens. Durante 2023, foram 37 solicitações”, diz.

POLÊMICA

Em maio, a Prefeitura de Campinas divulgou um vídeo em que um homem afirma que uma assistente social de Bauru o auxiliou a viajar até o município para buscar assistência. A Sebes informou serem falsas as alegações. (Jcnet)

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